A glória que compensa a paixão

sylvio_bertoli_varandaO Haras Santarém, de Sylvio Bertoli, brasileiro descendente de italianos por todos os lados, é um dos centros criatórios mais comentados no momento. A razão é simples: de lá saiu o tordilho Glória de Campeão, cavalo nacional que no último dia 27 de março venceu a Dubai World Cup (Grupo I) (foto), prova disputada na pista sintética (de areia) conhecida por tapeta e com a maior bolsa do mundo – US$ 10 milhões, dos quais US$ 6 milhões para o vencedor. De propriedade do Stud Estrela Energia, Glória de Campeão é o único brasileiro que figura na relação (em 14º lugar) dos 50 melhores cavalos do mundo.

 

Tudo começou no final dos “anos 60”, quando os Beatles dominavam o cenário musical internacional e o rock and roll era o ritmo que já cativava a juventude. O advogado Sylvio Bertoli, neto de colonizadores de cinco municípios no Vale do Alto Itajaí, andava a cavalo na fazenda do pai. “Na época, cancha reta era conhecida como raia e treinador era chamado de compositor”, lembra Sylvio Bertoli, com saudade dos velhos tempos. Com apenas 4 anos de idade, ele já tocava o gado e acabou se apaixonando pelos cavalos. Já advogado, ao receber como pagamento uma terra (27 hectares) em Curitiba, decidiu fundar o Haras Santarém, nome em lembrança a uma namorada que teve no Rio de Janeiro, onde morou durante um ano no tempo em que ainda cursava a faculdade de Direito. “Ela era de Santarém, capital da província de Ribatejo e ex-capital do reino de Portugal, cidade conhecida como terra dos rouxinóis e das madressilvas. E tinha muito orgulho de tudo isso”, revelou Sylvio Bertoli, bem-humorado.

 

Como precisava de um espaço maior, acabou vendendo o local – onde hoje fica a Universidade Positivo, maior campus universitário do Paraná – e adquiriu “por cerca de 10% do que custara ao ex-dono”, faz questão de frisar o criador, o Haras Boa Fé, de Donald Stewart, criador de cavalos de salto cujo sonho era ver o filho campeão olímpico. Cerca de seis vezes maior que o espaço anterior, o atual Haras Santarém fica no bairro de Campo Largo da Roseira, em São José dos Pinhais, onde está localizado o Aeroporto Afonso Pena, aproximadamente a 25 quilômetros de Curitiba. Dos quatro a seis produtos que criava anualmente, passou para 18 a 25. E sempre deu preferência à qualidade em vez da quantidade. Além de criar para si, tem regime de pensionato e serve criadores sem haras, mas que apresentam os produtos com griffe própria, como os Haras Belmont e Ita-Kunhã e os Studs Correas e Laudo & Laudo, entre outros.

 

Segundo Bertoli, desde que começou na criação ele trabalha no vermelho. “É o caso típico da paixão que supera em muito a razão”, filosofa. Um dia, o já saudoso hipólogo uruguaio Gustavo Mendes sugeriu-lhe a compra do tordilho Impression, que havia derrotado os maiores velocistas da Argentina. Como o Haras Vacación, seu dono, tinha adquirido o reprodutor Roy por 1 milhão de dólares, a venda de Impression por 50 mil dólares acabou sendo viabilizada. “Minha ideia era criar cavalos para a reta, a fim de diminuir os prejuízos, mas ao analisar o cruzamento de animais, o veterinário Antonio Fernando Berche, que trabalha comigo há muitos anos e é o responsável por tudo no haras, viu que Impression poderia produzir milheiros alongados”, observou o criador.

 

Impression foi o divisor de águas do Haras Santarém. As vitórias internacionais de Glória de Campeão levaram o foco dos holofotes turfísticos para São José dos Pinhais. No entanto, Sylvio Bertoli, enaltecendo a visão e a audácia do proprietário, afirma que se o tordilho não fosse comprado pelo Stud Estrela Energia provavelmente não chegaria a tanto. O mérito, segundo ele, começou pelo agente internacional Renato Gameiro, com quem atualmente tem incompatibilidade de conceitos comerciais, segundo suas palavras. Em meio a 20 potros que viu, Gameiro gostou justamente de Glória de Campeão e o adquiriu para o Stud Estrela Energia. Seu preço era de R$ 40 mil, mas com o desconto pelo pagamento à vista e da comissão de agente internacional, acabou saindo por R$ 32 mil. “O cavalo precisa ser perfeito, ter boa criação, não sofrer acidente e ter a sorte de conseguir proprietário de qualidade, com equipe competente. Sem isso, muito craque acaba sem mostrar o que sabe”, ensina o criador, que ficou feliz com as conquistas de Glória de Campeão, mas lamenta até hoje não ter recebido sequer um telefonema de agradecimento do proprietário.

 

Gaiato, procedente da primeira letra “G” (bem antes de Glória de Campeão) e correndo em defesa das cores do criador, foi o cavalo do coração de Sylvio Bertoli, que tem muitas histórias interessantes do período que cria cavalos de corrida. Lembra o caso de Fandango Rasgado, devolvido pelo titular do Stud Bucarest, Nick Sterea, em razão de divergências com o criador, e adquirido pelo saudoso Dr. Quintella, que fundou o Stud Transilvânia (terra natal de Nick Sterea) e trocou o nome do cavalo para Alucard (Drácula, de trás para frente). Da brincadeira, saiu o vencedor de um GP Paraná.

 

Impression não teve sucesso nas retas, mas Jeton de Luxo, vencedor do quilômetro internacional paulista do GP ABCPCC no último domingo, mostrou que seu pai pode produzir ganhadores de provas de tiro curto. A história de Jeton de Luxo também é das mais interessantes, como conta Sylvio Bertoli. “Há dois meses, ele era meu em parceria com o Haras Rio Iguassu, cujo titular decidiu, com o meu consentimento, vendê-lo por R$ 40 mil. Quando soube da possibilidade da negociação, porém, seu filho foi veementemente contrário e me perguntou se eu cederia minha parte por R$ 20 mil. Concordei. E Jeton de Luxo passou a ser totalmente do Haras Rio Iguassu. Para satisfação geral, venceu logo na primeira inscrição clássica”, explicou, sem mostrar nenhum ressentimento.

 

Sylvio Bertoli diz ter uma irmã inteira de Glória de Campeão (Impression e Audacity), que estará no seu leilão do próximo ano. E acredita na produção de novos campeões egressos do Haras Santarém. “Quem tem boas terras, ótimos animais e uma equipe de profissionais altamente selecionados como a nossa, tem de acreditar sempre no êxito”, conclui, certamente apoiado pelo ângulo de visão dos grandes desbravadores que ainda corre em suas veias.

 

por João Carlos Faro – Fotos: Site Haras Santarém e DWC                                         Fonte: site JCB