Haras Santarém: O futuro após um ano inesquecível 11/01/201

27 de Março de 2010. Tarde de nuvens carrancudas vagando sobre Curitiba e arredores, e de uma infinidade de telefonemas que tinham como destino a pessoa de Sylvio Bertoli. E não era para menos. Este advogado, poucos instantes antes, havia entrado para a história do turfe nacional – e mundial – como o criador de Glória de Campeão, vencedor, naquela tarde, da Dubai World Cup (gr.I), disputada no moderníssimo Hipódromo de Meydan, nos Emirados Árabes.

 

 

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Sylvio Bertoli ao lado de Impression

O acontecimento, por si só, já valeria todos os anos de trabalho e investimentos realizados junto à criação do Puro Sangue Inglês. Contudo, havia um ano inteiro pela frente, e outros resultados dos mais expressivos estavam reservados a Bertoli e à equipe do seu Haras Santarém. “Não é fácil descrever a emoção de uma conquista igual a essa, mesmo tendo sido antecedida por um segundo lugar na mesma prova do ano anterior. A ficha vai caindo aos poucos. Oito meses depois continuam surgindo surpresas com fatos e exceções extraordinárias que sequer havíamos imaginado. Igualmente não nos havíamos dado conta ainda da enorme importância que o feito representava não apenas para nós, mas para todo o universo turfístico”, comenta Bertoli, natural do município de Rio do Oeste, Santa Catarina.

Glória de Campeão, aliás, parte de um dos principais emblemas do Haras Santarém, cuja presença é facilmente detectada por aqueles que têm a oportunidade de visitar o bonito e sofisticado estabelecimento. O tordilho Impression, sempre imponente em seu piquete, e chamativo pela belíssima pelagem, representa um dos principais investimentos do Haras Santarém no Século XXI.

“O Impression, que nas pistas havia vencido os melhores velocistas da Argentina de sua época, fora comprado na esperança de que produzisse velocistas que agradassem a todos os “penqueiros”, sobretudo do sul do Brasil. Inicialmente, revelou-se um produtor de milheiros alongados e fundistas, que venceram dos 1.300 até os 2.400 metros. Eis que depois de todas as emoções da Dubai World Cup, aparece Jeton de Luxo, que foi domado e iniciou treinamento sob a responsabilidade do então sócio e grande amigo Paulo Pelanda, do Haras Iguassú, levantando os 1.000 metros do GP ABCPCC (gr.I) em Cidade Jardim”, explica Bertoli.

 

 

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Audacity, a mãe de Glória de Campeão

Criador, portanto, do recordista brasileiro em somas ganhas, Glória de Campeão, e de um dos melhores velocistas brasileiros da temporada, Jeton de Luxo, o estabelecimento criatório não diminui o seu ritmo de conquistas nem mesmo no final da temporada. No primeiro embate destinado à geração 2008 do turfe brasileiro, prevaleceu Licca-Chan, crioula do Haras Santarém e filha do norte-americano Tiger Heart, que representa a principal aposta do haras em termos de reprodutores no final da década, como endossa o próprio titular do Santarém. “Na busca de um produtor de velocistas acabei sucumbindo às opiniões do Renato Gameiro e do nosso veterinário Fernando Perche, que tecnicamente me convenceram a investir em Tiger Heart. E tanto as recomendações quanto a nossa confiança foram muito bem sucedidas, haja vista que o primeiro produto dele a estrear, no caso a Licca-Chan, já em meados de dezembro, mostrou além de velocidade, alta precocidade, vencendo um clássico contra potrancas importadas, de excelentes pedigrees e adquiridas em leilão por altos preços.”

E depois de 12 meses repletos de sucessos – acima sequer chegamos a citar as conquistas do milheiro Iso Inconteste na Gávea, ou ainda Jusjurandum e Jeu de Mots, que venceram as duas primeiras provas da Tríplice Coroa do Paraná – quais serão os próximos passos do Haras Santarém? Iniciando o ano de 2011 com 28 matrizes, o haras mantém em seu plantel éguas com uma média de 9 anos e meio de idade, sendo que 40% delas já apresentaram, em campanha e/ou na reprodução, resultados clássicos. O veterinário Fernando Perche, que responde pela capitania dos trabalhos envolvendo o Haras Santarém, nutre grandes esperanças em relação a este “time” de reprodutoras para a sequência da criação no haras.

 

 

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O reprodutor Tiger Heart

“Temos grandes expectativas no nosso plantel, principalmente em relação às éguas inéditas, pois estamos constantemente renovando com grandes linhas, e nos últimos anos as reprodutoras têm se tornado uma matéria prima barata da criação, permitindo uma seleção criteriosa em pedigree, físico e performance. As potrancas que retornam ao haras, sendo de nossa criação levam sem dúvida uma vantagem em termos de adaptação e os números mostram que serão boas produtoras. A dinâmica da seleção nos obriga a ficar atentos o tempo todo, pois o que parecia bom há 5 anos atrás , poderá não ser mais hoje”, explica Perche, que durante a sua carreira profissional foi o responsável pela assistência de grandes animais quando dos seus primeiros movimentos em vida, tal qual o próprio Glória de Campeão, o “derby-winner” Gigli, a “oaks winner” Brunnhilde, além dos também ganhadores de Grupo 1 Alucard, Fanciulla Del West, Funtastic, High Court, Jeton de Luxo, La Vendetta e Nergy Seller.

Atualmente, 4 reprodutores estão alojados no haras. Além do já citado Tiger Heart, ainda há a presença de Impression , Giant Gentleman e de Public Speaker , além de Parme , já aposentado . Nem por isso o Haras deixa de participar de parcerias importantes como Macho Uno, Pioneering, etc. Aberto à matrizes pensionistas, o Haras Santarém responde, neste segmento, pela criação de animais procedentes de importantes coudelarias, a exemplo dos Haras Belmont e Tributo À Ópera, além de outros criadores que contam com, em média, 3 reprodutoras.

 

 

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Produtos da geração 2009

Localizado no município de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, o Haras Santarém iniciou as suas atividades, no entanto, em outro endereço. No bairro do Campo Comprido (bastante próximo do centro de Curitiba) na década de 60, foi que Sylvio Bertoli inaugurou o Haras Santarém, que somente se transferiu de base há pouco mais de 10 anos, quando tal terreno foi adquirido para a construção da Unicemp, campus universitário de propriedade do Grupo Positivo. Contudo, os sucessos e pontos altos angariados pelo haras não se restringem a épocas atuais, merecendo destaque nomes como o de Abaiba (vencedora do GP Costa Ferraz (gr.III) na Gávea, em 1975, foi a primeira ganhadora clássica criada pelo haras), Gaiato (vencedor do Derby em Curitiba e ganhador de Grupo 2 em São Paulo), Gabellino (2º e 3º no GP Paraná (gr.I)), Hauy (Derby Paranaense), Quasar (Derby Paranaense), Irish Bolt (vencedor da extinta Taça Pinheiro de Ouro, em Curitiba) Wang Ti Hong (4º no GP Cruzeiro do Sul (gr.I)), Wulong (proporcionou a primeira vitória clássica ao Stud Alvarenga, no Clássico Inverno (L), disputado na Gávea em 1998) etc., também são de importante menção para a história do Haras Santarém.

Testemunha de todas estas conquistas e transformações, Sylvio Bertoli reflete, com propriedade, sobre o momento vivido pelo esporte no Brasil, e, mesmo com o enfraquecimento em comparação a outras épocas, ainda acredita em possibilidades de melhoras no turfe brasileiro. “Sinceramente, que saudade do turfe de 25, 30 e 40 anos atrás! Arquibancadas cheias. Pequenos proprietários e suas famílias (a grande maioria) donos de 1 ou 2 animais que ao vencerem uma prova enchiam de festa incontida o hipódromo. Beijavam o animal, beijavam o jóquei, o treinador e todos os demais que estivessem por perto. Além da imensa alegria pela vitória, o prêmio lhes garantiria o trato (pensão) por pelo menos seis meses. Hoje, em alguns hipódromos, o prêmio de uma vitória mal dá para pagar um mês de pensão. Assim, os turfistas foram sumindo, as apostas, apesar das agências, também alcançaram estágio de escassez e os clubes e criadores se endividando. Oportunidades houveram e ainda existem para se utilizar turfistas e ex-turfistas de expressão nacional que podem alavancar uma forma de salvar o turfe e os milhares de empregos que ele gera. Está aí a Presidente Dilma! Não votei nela, mas sei da imensa força que têm alguns amigos e correligionários dela que amam o turfe. Mas para isso precisaria união dos que podem e deveriam ajudar. Qual o que! A vaidade imensa de alguns poucos detentores de cargos importantes faz com que sejam os primeiros a destruir o trabalho dos que lutam, muitas vezes sozinhos e até combatidos porque a eles só interessa exibir seu nome como primeiro da lista. Turfistas escasseando e assim mesmo as vaidades incomensuráveis e incompreensíveis se digladiando com os poucos que resistem! Que falta faz um Oswaldo Aranha! E o esporte que se nominava ‘dos reis” vai se tornando reduto de “negociantes de cavalos’. Felizmente, ainda podemos encontrar alguns momentos de felicidade ao verificar que ao passarem os dias somos surpreendidos com fichas que vão caindo. Há poucos dias, uma menina do 5º grau escolar, que vinha com os pais conhecer o haras, ouvindo os pais comentarem sobre o feito inédito de Glória de Campeão surpreendeu-me com o seguinte: ‘Dr. Sylvio, o senhor já pensou que entre os seis e meio bilhões de habitantes da Terra o senhor foi o único a conquistar esta glória’? Não me havia dado conta disso. Deus me dê mais tempo de vida para poder agradecê-lo convenientemente por mais esta graça que uma menina de 12 anos enxergou antes de mim”, arremata.

Texto e fotos: Victor Corrêa